quarta-feira, 21 de maio de 2025

Lá onde o tempo ainda brinca de pique-esconde

Lá onde o tempo ainda brinca de pique-esconde

Titus, o som do coração

Tem lembrança que a gente não guarda… ela é que insiste em morar na gente. Fica ali, sentada num canto qualquer da alma, esperando um cheiro, uma música, um vento mais ameno pra acordar. É assim que sinto quando me lembro daquelas amizades de infância. Não eram apenas amigos — eram cúmplices de um mundo inventado, de uma vida que a gente vivia com o corpo sujo de terra e o coração limpo de qualquer medo.

Lá onde o tempo ainda brinca de pique-esconde, é onde vive essa parte de mim. Era ali, em ruas sem asfalto e quintais sem cerca, que eu descobria que o melhor da vida não custava nada: um pedaço de pão com açúcar, uma bola feita de meia, um segredo sussurrado debaixo da goiabeira. E tinha riso. Um riso solto, fácil, que nem precisava de motivo. Bastava estar junto.

Tinha um amigo que dizia que meu coração era diferente. Que eu prestava atenção nas coisas que os outros ignoravam. E talvez ele estivesse certo. Talvez por isso eu nunca tenha esquecido do cheiro do barro molhado depois da chuva, da caligrafia tremida do primeiro bilhete passado na escola, ou da mão estendida pra me levantar quando eu caía da bicicleta.

A amizade naquela época não pedia nada. Não tinha obrigação, nem cobrança. Era presença. Era barulho e silêncio. Era correria e descanso. A gente era feliz e nem sabia que aquilo era felicidade. Só sentia.

Hoje, tanta coisa mudou. A gente se perdeu de vista, cada um tomou um rumo. Uns viraram pais, outros sumiram, e alguns — esses que mais doem — foram embora da vida sem dizer adeus. Mas dentro de mim, eles continuam aqui. Como vozes que ecoam baixinho, como rostos que aparecem em sonhos sem hora marcada.

Se eu fechar os olhos agora, ainda consigo ouvir o estalo do chinelo batendo na calçada, o grito da mãe chamando pra dentro, e o combinado de “amanhã a gente brinca de novo”. E mesmo que o amanhã tenha virado um hoje cheio de contas, responsabilidades e saudades, eu ainda carrego esses amigos como sementes que me ensinaram a ser quem sou.

Porque amizade de infância é isso: uma parte da gente que cresceu fora do corpo, mas dentro da alma.

 "Algumas amizades não moram no passado — elas apenas descansam na memória, esperando um sorriso pra acordar."

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