(Titus, o som do coração)
Dizem que, há muito tempo, numa vila escondida entre colinas, vivia um homem chamado Elói. Era um sujeito simples, calado, quase invisível no vai e vem do cotidiano. Enquanto todos falavam alto, riam ou reclamavam da vida, Elói andava devagar pelas trilhas de terra, carregando uma pequena bolsa de couro e um olhar que atravessava as paisagens.
Ninguém sabia ao certo de onde ele vinha, nem o que fazia. Mas havia algo de diferente em seus passos — como se caminhasse em sintonia com uma música que os outros não ouviam.
E foi assim que começou a lenda.
Conta-se que Elói não falava porque suas palavras tinham peso demais. Ele ouvira, ainda menino, que o mundo andava barulhento porque os homens haviam esquecido o valor do silêncio. Desde então, decidiu guardá-lo, cuidar dele, e — mais do que isso — plantá-lo.
Sim, plantá-lo.
A cada passo, Elói escolhia um lugar de dor, uma esquina de tristeza, um campo onde a terra parecia cansada, e ali... semearia o silêncio. Não com palavras, mas com presença. Ficava em silêncio por horas, dias até, sentado, respirando junto com o tempo, como quem conversa com o vento e espera a resposta da terra.
As pessoas achavam estranho, claro. Diziam que era doido. Mas com o tempo, algo começou a mudar.
Nos lugares por onde Elói passava, as pessoas choravam menos. Dormiam melhor. Sonhavam mais. Crianças brincavam onde antes havia brigas, e os velhos sorriam de novo, sem motivo. Ninguém sabia explicar, mas onde ele ficava em silêncio, nascia alguma paz que não cabia em palavras.
Elói não queria fama. Não queria gratidão. Só caminhava.
Certa noite, ele subiu até a colina mais alta do vilarejo, onde o céu se abria em uma vastidão sem fim. Ali, a noite era tão escura que o mundo parecia suspenso.
E então ela apareceu: a Via Láctea.
Não como a conhecemos nos livros ou nas fotos, mas como um rio vivo, intenso, espesso, serpenteando o céu. Suas águas de luz escorriam entre as constelações e, naquela noite especial, parecia descer até tocar a alma da terra. Era tão real que dava a impressão de que bastava esticar os dedos e sentir a correnteza.
Elói olhou para cima e sorriu pela primeira vez em muito tempo. Não era um sorriso qualquer — era um adeus e um reencontro. O silêncio ao redor era tão denso que se podia ouvir o próprio coração pulsando junto com as estrelas.
A Via Láctea, vibrante, parecia chamá-lo. Não para longe, mas para dentro. Dentro de si. Dentro do mundo. Dentro de tudo o que ainda precisava ser curado.
E então ele parou. Respirou fundo. E plantou ali, sob o rio de estrelas, seu último silêncio.
Não cavou a terra. Não fez nenhum gesto. Apenas se entregou à noite como quem devolve à vida tudo o que colheu.
No dia seguinte, ele já não estava.
Mas no lugar onde Elói parou, nasceu uma árvore. Uma árvore diferente de tudo o que se conhecia. Seus galhos pareciam tocar o céu, e à noite, quando a Via Láctea brilhava alto, sua copa parecia dançar com o próprio universo. Era como se ela respirasse junto com o cosmos.
Quem deita sob essa árvore jura sentir o tempo desacelerar. Dizem que, em noites sem lua, a Via Láctea se curva até ela — como se fosse uma ponte de luz, conectando o invisível ao palpável.
E aqueles que ainda ouvem demais o mundo, que carregam dores que não sabem nomear, encontram ali o que Elói deixou: um silêncio vivo, cheio de significado, onde é possível finalmente ouvir o que o mundo sempre quis dizer — mas nunca soube como.
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