O Espelho do Lago Inverso
(Titus, o som do coração)
Há muito tempo, num lugar onde o tempo caminha devagar e a natureza ainda sussurra segredos antigos, existia um lago escondido entre montanhas cobertas de névoa. Não era um lago comum. Suas águas não refletiam o céu, nem as árvores, nem o rosto de quem se debruçava sobre ele.
Diziam os mais antigos:
> “Esse lago não mostra o que você é. Ele mostra o que você poderia ter sido.”
Por isso, o chamavam de Lago Inverso — porque nele, tudo se via de dentro pra fora.
Poucos ousavam subir até lá. Aqueles que iam sabiam que não era apenas uma jornada por trilhas íngremes, mas um mergulho no que o coração guarda em silêncio. E foi lá que certa vez chegou Sirena, uma mulher de cabelos prateados e olhos cheios de passado.
Sirena era conhecida por sua sabedoria, sua calma e sua força. Havia ajudado a criar filhos que não eram seus, organizado festas que curavam tristezas, segurado mãos que tremiam de medo e enterrado os sonhos que um dia tivera para si.
Vivia sorrindo… mas à noite, quando as estrelas sussurravam verdades, sentia um vazio sem nome.
Ao chegar à beira do lago, ajoelhou-se. O vento acariciou seu rosto como se a reconhecesse. As águas, então, começaram a se mover devagar… até formarem uma imagem.
Sirena viu-se jovem, de pés descalços e cabelos ao vento, caminhando por cidades distantes. Estava rindo com desconhecidos, escrevendo poesias em pedaços de papel que deixava ao acaso nos bancos das praças. Dançava com um homem de olhos gentis sob uma chuva que parecia cair só sobre eles. Era uma versão dela que nunca existiu… mas que habitava cada suspiro do que poderia ter sido.
Ela chorou. Chorou com a alma. Não por arrependimento, mas por saudade de um tempo que nunca viveu.
Chorou por ter sido tão forte, tão boa, tão necessária aos outros — a ponto de esquecer-se de si.
Quando sua lágrima caiu no lago, a imagem desapareceu.
No lugar dela, formaram-se palavras. Não ditas por ninguém, mas sentidas no peito, como batidas do próprio coração:
“Toda escolha é um renascimento.
Mas cada renúncia é um luto silencioso.
Não se vive sem deixar para trás pedaços do que se poderia ter sido.
E tudo aquilo que você não viveu… ainda mora em você.”
Sirena ficou ali por horas. Depois se levantou com um novo peso — não de arrependimento, mas de aceitação.
Ela entendeu, enfim, que sua vida foi feita de amor, mesmo quando foi ausência.
E que a mulher que ela viu no lago… não era uma vida perdida.
Era a outra face do seu amor ao mundo.
Dizem que Sirena voltou diferente. Continuou ajudando, sorrindo, acolhendo. Mas agora, vez ou outra, dançava sozinha sob a chuva.
E escrevia bilhetes poéticos que deixava nos bancos da praça, como se, no fundo, a jovem do lago tivesse voltado para morar nela.
Quem se aproxima do Lago Inverso hoje, em dias muito claros, ainda pode ouvir uma canção suave vindo da névoa. É a alma de Sirena, lembrando aos corações cansados que:
“Nem tudo que não vivemos se perde.
Às vezes, só espera por um gesto, uma dança, um bilhete…
para florescer no tempo certo.”
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