A Voz do Penhasco
(Titus, o som do coração)
Em uma vila esquecida pelo tempo, onde as pedras falavam mais que as pessoas e o vento era mais confiável que qualquer promessa, havia um penhasco alto, escuro e solitário. Chamavam-no de Ouvinte Eterno.
Não era por acaso.
Diziam os anciãos — de olhos fundos e memórias cheias — que aquele lugar guardava um dom raro: devolver a quem ousasse gritar de lá o som exato de sua dor, sua verdade, sua essência.
Mas não de imediato.
Não como um eco.
O penhasco tinha sua própria lógica:
> “Primeiro ele escuta. Depois ele pensa. Só então, responde.”
E às vezes, a resposta vinha só anos depois.
As pessoas pararam de ir. Algumas diziam que era lenda. Outras, que era loucura gritar para as pedras. Mas Noel, um homem feito de dúvidas e cansaço, resolveu subir.
Ele não buscava respostas. Buscava um fim para o silêncio que o consumia por dentro.
Carregava o peso de ter deixado muitos sonhos pelo caminho. Amor, arte, tempo com os filhos, o ofício que amava — tudo trocado por certezas que não o preencheram. O rosto endurecido não combinava mais com o menino que fora. E era isso que doía mais: o sumiço do menino.
Chegou ao topo.
O vento soprou tão forte que parecia querer impedir sua fala. Mas ele gritou. Gritou como quem rasga a alma:
— “EU AINDA ESTOU AQUI?”
O som sumiu entre os vales. Noel esperou. Um dia. Dois. Três. Nada.
Voltou pra vila em silêncio. E viveu assim.
Cuidava da horta, da filha, do gato velho. Mas, por dentro, algo se abriu naquele grito.
Começou a escrever cartas que nunca enviava, riu de novo de piadas ruins, e às vezes dançava sozinho na cozinha, ouvindo músicas antigas.
Sem perceber, o som começou a voltar — de dentro pra fora.
Cinco anos depois, numa manhã de céu limpo, ele acordou com uma voz dentro do peito. Não era alucinação. Não era lembrança. Era o penhasco.
Calma. Profunda. Familiar.
> “Você nunca deixou de estar.
Só estava se ouvindo de muito longe.
Agora… você voltou a escutar.”
Noel chorou. Chorou com aquele tipo de choro que limpa, como chuva que lava telhados antigos.
E, naquele dia, decidiu subir o penhasco de novo. Não para gritar. Mas para agradecer.
Deixou lá uma pedra com seu nome e uma frase:
“Quem ouve o penhasco, encontra a si mesmo.”
Dizem que, desde então, novos viajantes começaram a subir.
Alguns gritam.
Outros apenas se sentam.
Mas todos, em algum momento, ouvem a mesma pergunta ecoar do fundo de suas almas:
> “Você ainda está aí?”
E quando respondem com sinceridade… o penhasco sorri.
Não com som, mas com vento, com luz, com uma paz que não se explica — só se sente.
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