Como havia contado anteriormente, fui convidado para trabalhar na Secretaria Municipal de Ação Social, para coordenar um projeto recente, na época, chamado ASCAMP (Associação dos Catadores de Material reciclável de Pará de Minas), eram pessoas que ha algum tempo moravam num lixão da cidade e o mesmo foi desativado, revitalizado e transformado em um aterro sanitário controlado.
Essas famílias haviam sido realocadas para um galpão novo, construído pela Prefeitura, eu chamei de projeto, mas um projeto é controlado por quem o criou, mas na verdade a Associação era um organismo vivo, já nasceu com vida própria, sendo acompanhada pela Cáritas Internacional, Prefeitura e o Conselho de Meio Ambiente (CODEMA),
Como empreendimento a ASCAMP foi criada para atender às necessidades das familias que sobreviviam no lixão, resgatando a sua dignidade, e também retirar os catadores de material nas ruas (carrinheiros) das mãos de pessoas que os exploravam, não dando o devido valor ao material por eles coletados. No papel era bonito, mas na realidade haviam diversos problemas socio-culturais, comportamentais, educacionais, gerenciais, inclusive o próprio preconceito entre os catadores e as famílias do lixão, as coisas iam de mal a pior.
Sendo um desejo das pessoas envolvidas no enfrentamento da pobreza extrema dessas familias, foram desenvolvidas várias formas de atuação desde reuniões, capacitações, organogramas, até ameaça de cortes parcial o total no convênio firmado, mas nada funcionava, a rixa era evidente e cada vez maior, os catadores independentes criaram uma discidência, a ASCAMP revidava com perseguições, todos os orgão resposaveis pela formação da associação não conseguiam um resultado satisfatório, até um psicólogo (lembram do meu amigo Antonio Carlos?), foi colocado para acompanhá-los e orientá-los, mas nada surtia efeito, a associação estava perdida, falindo e submetida aos desmandos de atravessadores. Essa era a realidade, entre os associados havia ainda a vontade de satisfazer o seu proprio desejo em detrimento da coletividade e isso criava um clima de incertezas e desconfianças entre eles.
Coordenador entrava, coordenador saia, e ninguém resolvia o problema, tudo parecia perdido, a associação estava fechando as portas e com isso havia o risco dessas famillias tentarem voltar para o lixão, que já estava cercado, saneado e monitorado pelos órgãos competentes, isso seria uma derrota amarga para a sociedade paraminense.
Foi nesse clima que fui convidado para coordenar a associação, como última saida, uma tentativa de fazê-los crescer, o meu amigo psicólogo havia dito que eu possuia o perfil para esse desafio (naquela época eu não sabia do que acabo de expor e muito menos o que ele chamava de perfil), antes de conhecer "el desafio", aceitei o convite e depois dos devidos acertos fui realocado, a Escola fez uma despedida muito emocionante, de manhã, à tarde e â noite, cada grupo de funcionários, pais e alunos manifestou sua tristeza e desejaram que eu fosse muito feliz, chorei muto também, principalmente com as crianças as quais eu amava muito.
Cheguei na ASCAMP, todos pararam de trabalhar para as devidas apresentações, foi uma surpresa e tanto, lembram-se quando eu contei sobre o meu primeiro trabalho na cidade coletando o lixo? Pois é como eu ia descarregar o lixo lá, no extinto lixão acabei por conhecer as familias que lá residiam, e elas tambem me conheciam, pois sempre que chegava começava a conversar e contar piadas pra eles, eles me contavam histórias sobre a suas vidas e assim formamos um elo inexplicável.
Bem na reunião, naquele primeiro dia, eles me olharam e começaram a reclamar, diziam que ninguém dava conta disso, que não havia apoio, e assim foi desfiado um rosário de lamentações, eu juntamente com a equipe da prefeitura ouvi tudo atentamente e quando chegou minha hora de falar eu apenas disse:
-Sei exatamente o que cada um aqui está passando, sei o que cada um deseja, mas o mais importante é que vocês precisam saber de uma coisa, vocês não são apenas catadores de lixo, vocês são agentes de saúde, pessoas que colaboram ativamente para manter a saúde da cidade e de seus moradores, vocês são responsáveis por reequilibrar o meio ambiente, por isso eu me levanto bato palmas pra vocês e gostaria que cada um cumprimentasse o colega que esta ao seu lado.
Teve gritos, assovios, palmas, sorrisos e por uma instante, pequeno é verdade, não havia mais problemas, havia um sorriso de esperança nos rostos daquelas pessoas cansadas de serem maltratadas pela vida, eu me senti bem e percebi que poderia fazer um grande trabalho naquele lugar, meu papel ali não era fazer a associação crescer, era fazer cada homem e mulher se sentir importante, valioso, e responsável consigo mesmo, também percebi que eu teria de ter muita paciência, que não poderia mentir, que deveria dar o exemplo, eu tinha muito a ensinar mas muito mais a aprender, eu não poderia ser leviano com meus sentimentos em relação a eles, deveria dizer que branco é branco e preto é preto, ser sincero, porque aquelas pessoas já haviam se acostumado a ver pessoas que diziam uma coisa e faziam outra, pessoas mesquinhas, pequenas e egoístas, eu precisava ser diferente, e principalmente, eu precisava ser eu mesmo, sem me importar com o resto, eu deveria mostrar-lhes o caminho das pedras e ensiná-los a percorre-lo a missão era mais árdua do que eu havia imaginado, mas mesmo assim não desisti.
Comecei a conversar individualmente com cada pessoa, primeiramente só ouvi, não concordei nem discordei, depois de ouvi-los passei a montar o mosaico dos sentimentos antagônicos dentro da associação, eu precisava fortalece-los, faze-los acreditar em si mesmos, e principalmente a confiar nos seus companheiros de trabalho. Depois, delineei novas metas mensais, congelei a dívida astronômica que eles adquiriram com os atravessadores, dividi em parcelas mensais, a qual foi devidamente paga, com correção, no prazo de seis meses. Transformei os atravessadores em compradores e principalmente parceiros, criando uma relação onde todos saiam lucrando, busquei novas fontes de renda, novas empresas para comprar materiais que antes eram descartados, o CODEMA através do Willer de Castro e de Sonia Naime, me apoiavam, me mostravam algumas possibilidades enquanto a a Secretária de Ação Social me dava carta branca para implantar um novo sistema de coleta, depois de criar um ambiente mais harmonioso na ASCAMP, criando turmas e turnos de trabalho, passei a buscar os catadores independentes, que exploravam a deficiencia da ASCAMP, a pior delas, a falta de companheirismo, como isso já não ocorria com frequencia a Associação ficou mais fortalecida e assim conseguiu cumprir suas obrigações, e os catadores independentes perceberam que unidos dentro de um única proposta eles poderiam ganhar mais, muitos tornaram-se sócios, outros, mais radicais abriram guerra contra a ASCAMP.
Essa guerra por vezes era muito divertida, eles espalhavam boatos infundados sobre a associação, colocavam carroças para competir com o caminhão da coleta, mas nunca chegaram a cometer qualquer crime, como incendiar o galpão, ou roubar os catadores, isso já me indicava que meu objetivo já estava sendo alcançado, havia um respeito, mesmo que oculto, entre eles e esse era o meu trunfo.
Fizemos nova eleição da Diretoria, reorganizamos o atendimento às empresas parceiras, conquistamos a simpatia da população, por vezes eu mesmo saía no caminhão da coleta junto com os catadores, lembrem-se eu já tinha experiência com coleta, e por isso não sentia qualquer vergonha de estar ali na traseira do caminhão catando o material junto com eles e isso os fazia me respeitar cada vez mais. Nesses momentos eu entendia o que Deus havia preparado para mim, como eu agia naturalmente conquistei a confiança e o respeito de cada um deles e de todos os outros que trabalhavam como independentes, cada qual começou a trabalhar na sua área de atuação, com alegria, satisfação e principalmente honra, honestidade.
Problemas, haviam muitos, comecei a ensiná-los sobre a cotação do dólar e seus efeitos sobre o material que eles trabalhavam e consequentemente sobre suas vidas pessoais, ensinei sobre direitos e deveres, leis trabalhistas, competitividade de mercado, fiz planilhas e gráficos, desenhos, esquemas, e a partir do momento que eles pegaram confiança em si mesmos começaram a opinar, deixaram de reclamar e pedir, e passaram a agir, ou seja, deixaram de ser parte do problema e passaram a ser a solução, mesmo a pessoa sem nenhuma instrução se sentia valorizada a ponto de apresentar a sua idéias e esta ser respeitada, e se possivel colocada em prática.
Aquela associação que estava falindo tornou-se modelo no estado de Minas Gerais, sendo visitada por outras cidades e organizações governamentais e não governamentais, sempre que iam em qualquer atividade eram referenciadas, nas reuniões eram citados como os melhores do ramo, tornaram-se motivo de orgulho para a Cáritas, para os Órgãos a eles ligado, para a Prefeitura e para a população, com isso seus ganhos cresceram, as rixas e reclamações diminuíram e eu me tornei maior de melhor, naquele momento percebi que tudo é possível quando desejamos do fundo da alma a felicidade dos outros.
Ao invés de mudar a associação preferi valorizar o ser humano que a formava e o resultado foi mil vezes maior do que eu imaginava, depois de bastante tempo nessa função pedi para deixá-los, pois eu ja sentia dentro de mim que eles estava prontos para caminhar sozinhos, e acho que nçao me enganei, pois após tantos anos a Ascamp continua firme, e todos, sem exceção continuam meus amigos, e é necessário dizer que até aqueles "independentes", me encontram na rua, me cumprimentam com amizade e respeito.
Depois da ASCAMP foi a vez de dedicar integralmente aos Agentes Jovens, mas isso u vou contar noutro post.
Um grande abraço.
Titus●•ツ
"O Som do Coração" (๏̯͡๏)
"Quero ser diferente, eu sou, e se não for, me farei."
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