Olá!
Resolvi postar na íntegra o livro VII intitulado "O mito da Caverna" de Platão, espero que gostem, pois ele retrata como nós, seres humanos, nos deixamos prender pelas amarras da ignorância, e que muitas vezes optamos pelas sombras para não enxergarmos a verdade sobre nós mesmos e o mundo em que vivemos.
Boa Leitura!
Titus●•ツ
"O Som do Coração" (๏̯͡๏)
“As pessoas de alma elevada podem ser distinguidas em seu relacionamento com as demais, pela nobreza de suas atitudes." (Meishu-Sama)
Platão
– A República (Livro VII – O Mito da caverna)
SÓCRATES –
Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência
e à
ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer.
Imagina os homens encerrados em
morada subterrânea e cavernosa
que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde
a
infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo
que permanecem imóveis e
só vêem os objetos que lhes estão
diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto.
Atrás
deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre
o fogo e os cativos
imagina um caminho escarpado, ao longo do qual
um pequeno muro parecido com os
tabiques que os pelotiqueiros põem
entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos
bonecos
maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO –
Imagino tudo isso.
SÓCRATES –
Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e
objetos
que se
elevam acima dele, figuras de homens e animais
de toda a espécie, talhados em pedra ou
madeira. Entre os que
carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros
guardam
em silêncio.
GLAUCO –
Similar quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES –
Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados,
poderão ver
de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as
sombras projetadas, à claridade do
fogo, na parede que lhes fica
fronteira?
GLAUCO –
Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante
toda a vida.SÓCRATES
– E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra
coisa que não as
sombras?
GLAUCO
- Não.
SÓCRATES –
Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar
das
sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO –
Sem dúvida.
SÓRATES –
E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que
passam,
não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas
sombras dos objetos?
GLAUCO –
Claro que sim.
SÓCRATES –
Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora
das
figuras que desfilaram.
GLAUCO –
Necessariamente.
SÓCRATES –
Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das
cadeias e
do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos
desatado, obrigado a levantar-se
de repente, a volver a cabeça, a
andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer
tudo isso
sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria,
impedindo-lhe de
discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que
te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até
então só havia visto
fantasmas, porém que agora, mais perto da
realidade e voltado para objetos mais reais, via
com mais
perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que
lhe desfilavam
ante os olhos, o obrigasse a dizer o
que eram.
Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o
que antes via
era mais real e verdadeiro que os objetos ora
contemplados?
GLAUCO –
Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES –
Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as
sombras
que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente
mais visíveis que os objetos ora
mostrados?
GLAUCO –
Certamente.
SÓCRATES –
Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e
escarpado,
para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena
luz do sol, não é de crer que daria gritos
lamentosos e brados
de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo
esplendor
ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que
o comum dos homens tem por serem
reais?
GLAUCO –
A princípio nada veria.
SÓCRATES –
Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região
superior.
Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois,
as imagens dos homens e outros
seres refletidos nas águas;
finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas,
contemplaria
mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
GLAUCO –
Não há dúvida.
SÓCRATES –
Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio
sol,
primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois
visto em si mesmo e no seu próprio
lugar, tal qual é.
GLAUCO –
Fora de dúvida.
SÓCRATES –
Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é
o que
produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo
visível e, de certo modo, a causade
tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO –
É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES –
Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros
de
escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se
daria os parabéns pela mudança
sofrida, lamentando ao mesmo
tempo a sorte dos que lá ficaram?
GLAUCO –
Evidentemente.
SÓCRATES –
Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor
e
mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se
recordasse com mais precisão
dos que precediam, seguiam ou
marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em
lhes
predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse
inveja dos que no
cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não
preferiria mil vezes, como o herói de
Homero, levar a vida de um
pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras
ilusões
e viver a vida que antes vivia?
GLAUCO –
Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de
preferência a
viver da maneira antiga.
SÓCRATES –
Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda
para a
caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta
passagem súbita da pura luz à
obscuridade, não lhe ficariam os
olhos como submersos em trevas?
GLAUCO –
Certamente.
SÓCRATES –
Se, enquanto tivesse a vista confusa — porque bastante tempo se
passaria
antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade —
tivesse ele de dar opinião sobre as
sombras e a este respeito
entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em
cadeias,
não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à
região superior,
cegara, que não valera a pena o esforço, e que
assim, se alguém quisesse fazer com eles o
mesmo e dar-lhes a
liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO –
Por certo que o fariam.
SÓCRATES –
Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão
esta
imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro
subterrâneo é o mundo
visível. O fogo que o ilumina é a luz do
sol. O cativo que sobe à região superior e a
contempla é a alma
que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que
o queres
saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe
se é
verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te.
Nos extremos limites do mundo
inteligível está a idéia do bem,
a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que,
conhecida,
se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom,
criadora da
luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência
e da verdade no mundo invisível, e
sobre a qual, por isso mesmo,
cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos
negócios
particulares e públicos.