Titus, o som do coração
A vida é um rio. Não aquele rio de desenho bonito, de borda certinha e águas calmas. Não. A vida é um rio com correnteza, com curva inesperada, com pedra escondida debaixo d’água e até com trecho raso onde a gente precisa descer e empurrar a canoa com o pé, atolando até o joelho.
E eu tenho remado. Ah, como tenho remado…
Remo desde menino, desde que comecei a perceber que o tempo não volta, e que certas escolhas, mesmo feitas com o coração apertado ou sem pensar direito, moldam o curso da minha história. Cada sim que eu disse, cada não que engoli, cada lugar que deixei pra trás ou que me deixou — tudo isso virou água que passou. Mas que, de alguma forma, ainda me toca.
Porque tem águas que a gente atravessa e pensa que esqueceu, mas elas ficam na gente. Ficam nos gestos, nas memórias, nos silêncios. Ficam no jeito como olho pra alguém, no modo como seguro uma xícara de café, nas palavras que escolho dizer… ou evitar.
Eu já tive dias em que quis nadar contra a corrente, só pra tentar voltar. Voltar pra consertar uma fala atravessada, pra fazer diferente uma escolha que fiz com pressa. Mas aprendi, com o tempo — e com algumas boas quedas — que não se volta ao mesmo lugar sendo o mesmo. Porque nem o lugar é mais o mesmo e nem a gente é.
Hoje, quando olho pro meu passado, não faço isso com vergonha nem com arrependimento. Faço com respeito. Com aquele sentimento de quem reconhece que até o erro teve seu papel, que até a dor me ensinou. O passado, com tudo o que trouxe, me empurrou até essa margem onde agora eu me sento, respiro e continuo.
E o presente… ah, o presente é onde minha mão ainda toca a água. É onde posso mudar o rumo, ainda que leve tempo. É aqui, agora, nesse instante, que eu posso escolher se sigo tentando remar sozinho ou se aceito ajuda. Se continuo ignorando as pedras ou se aprendo a navegar por entre elas.
A vida é um rio, sim. E eu sou parte dele. Sou também água em movimento, lembrança que escorre, sentimento que flui.
E mesmo sabendo que não posso mergulhar duas vezes na mesma água…
Ainda me emociono com o som que ela faz ao passar.
> “O passado me trouxe até aqui. O presente me dá as rédeas. E o futuro? Ah, o futuro começa com o próximo remo.”
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