segunda-feira, 21 de abril de 2025

Sou um Leitor de Silêncios

Sou um Leitor de Silêncios

Por Titus, o som do coração

Não, eu não adivinho cartas.
Não tenho poderes sobrenaturais.
E, definitivamente, não uso capa.
Mas, ao longo da vida, aprendi uma coisa rara:
a escutar o que não é dito.
A enxergar o que se esconde nas entrelinhas.
A perceber o que não salta aos olhos — mas que grita no silêncio.

Tem gente que entra num ambiente e diz tudo sem dizer nada.
O corpo já chega antes, com o peso do dia.
O olhar entrega o que a boca ainda vai negar.
E o silêncio… ah, o silêncio é cheio de palavras que ninguém ousou traduzir.

A vida me ensinou a notar essas sutilezas.
Não foi numa sala de aula.
Foi na rua.
No convívio com pessoas que já perderam quase tudo, menos a esperança de serem compreendidas.
Foi em conversas que duraram segundos, mas deixaram marcas.
Em olhares que me atravessaram como se quisessem gritar “me veja, por favor”.

Tem gente que pede um favor e entrega uma dor escondida.
Outros pedem um café, mas o que querem mesmo é companhia.
Tem quem se recuse a falar…
Mas o corpo fala por eles.
Fala através da postura, dos ombros curvados, da voz trêmula que tenta soar firme.

Aprendi, com o tempo, que as maiores dores não fazem escândalo.
Elas se sentam ao lado da gente com um sorriso cansado.
Elas se escondem atrás de frases prontas como “tá tudo bem”
ou de um “valeu” dito rápido, só pra encerrar logo a conversa.

E eu fui aprendendo a respeitar esse tempo.
A não invadir o espaço do outro.
A esperar o momento em que a pessoa se sinta segura pra se mostrar.

Ser alguém que lê silêncios não é sobre ser especial.
É sobre estar presente.
De verdade.
É sobre deixar o celular de lado e olhar nos olhos.
É sobre escutar sem pensar na resposta.
É sobre não tentar consertar nada.
É só estar ali, inteiro, disponível.

Tem algo de sagrado nesse tipo de presença.
Não porque transforma tudo num passe de mágica…
Mas porque permite que o outro se veja também.
Quando a gente é visto com respeito, com verdade, com interesse real… a gente começa a se enxergar melhor.

Já vi pessoas que estavam em pedaços se reconstruírem só porque alguém as viu sem julgamento.
Só porque alguém ouviu o que elas não conseguiram dizer.
E, pra mim, isso é quase um milagre.

E você sabe, Cido…
Milagres, no fundo, são feitos disso:
de gente que escolhe estar.
De gente que escolhe ficar.
De gente que escolhe ver.

Eu não sei de tudo.
Mas sei quando alguém está quase desistindo e precisa de uma âncora.
Sei quando o riso é só uma tentativa de se manter de pé.
E sei, também, quando o silêncio é um pedido de socorro — mas dito com vergonha.

Tem dores que não cabem nas palavras.
Tem histórias que a boca não consegue contar.
Mas os olhos... ah, os olhos contam tudo.

E aí, nesse instante, o mundo para.
A pressa vai embora.
E a gente simplesmente se escuta.
Um de cada vez.
Com tempo.
Com alma.

Se tem uma coisa que eu aprendi com o tempo, é isso:
a maior parte das pessoas só quer ser vista.
Só quer ser ouvida.
Só quer sentir que, mesmo em meio ao caos, ainda existe alguém ali.
De verdade.

Talvez esse seja o maior poder que a gente possa ter nos dias de hoje:
o poder da presença.

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