terça-feira, 12 de maio de 2020

Lembranças - Parte I

Foto: O Pensador (francêsLe Penseur) é uma das mais famosas esculturas de bronze do escultor francês Auguste Rodin.
Oi!
Quando eu era pequeno, e posso dizer isso, minha avó me contava histórias de sua época produtiva, quando trabalhava nas colheitas sazonais da região. A história que sempre me impressionou era a que ela ia pra colheita de café, e minha mãe, criança de colo, era levada junto, pois não havia como deixá-la em casa, apesar de ser a caçula, os irmãos mais velhos trabalhavam na lida diária e minha mãe necessitava de maior atenção por parte da minha avó.
Que eu me lembre, e minha memória pode estar me pregando alguma peça, ela dizia que a forma de pagamento na colheita do café era assim, colhia-se o café em cestos e o que caia no chão era o pagamento, claro que se caísse muito a pessoa não voltaria no outro dia, era um limite aceitável, um combinado de palavra dada e confiança mútua.
Como disse minha mãe era uma criança de colo, e enquanto minha avó colhia o café colocava a criança na regueira, uma espécie de acero como um mini canal que coletava a água da chuva ou da irrigação talvez,  um "rego" como era chamado e a coleção de "regos" se denominava "regueira". Minha mãe ficava ali, distraída com algum galho, pedra ou coisa que o valha enquanto minha avó trabalhava, sempre com atenção sobre a criança exposta as situações naturais de risco e proteção.
Por que será que esta história sempre me chamou a atenção? Algo que parecia tão corriqueiro?
Creio que por causa da minha criação, comecei a trabalhar muito novo, vendendo picolé, sendo engraxate, vendendo laranjinha (aqui em Minas Gerais chamam de "Chup-chup", no Rio de Janeiro "Geladinho", no Paraná "Saci"), vendendo pirulito de "puxa" (açúcar queimado e derretido no ponto de ser derramado em cones de papel com um palito no meio), pasteizinhos caseiros entre outras coisas.
Eu estudava pela manhã na Escola Estadual Pedro Xavier de Oliveira em Goiânia, cidade que amo e onde fui criado por meus pais, e quando eu saia da escola passava na sorveteria e havia um carrinho de picolé reservado para mim, naquela época somente as crianças e adolescentes que madrugavam na porta da sorveteria conseguiam pegar os carrinhos, mas como o dono gostava de mim ele reservava um pra que eu pudesse trabalhar à tarde.
Eu era bom vendedor, chegava a vender seiscentos picolés numa tarde, às vezes voltava com o carrinho vazio, e  muitas vezes eu era o maior vendedor do dia. Isso acontecia porque eu não tinha medo, vergonha ou preguiça andava quilômetros diariamente, oferecendo nas ruas, nas casas, nas construções até no INMETRO (Instituto de Pesos e Medidas no Setor Sul) chegava no portão, e o porteiro, que também gostava de mim, me permitia permanecer ali vendendo meus picolé aos motoristas, funcionários, e todos que ali passavam. Sempre fui muito bem recebido e tratado, uma vez ou outra havia um desrespeito, mas o próprio porteiro vinha em meu auxílio.
O dinheiro arrecadado das vendas, em torno de 5 centavos (da moeda vigente a qual não me lembro o nome, foram tantas) por picolé vinha pra uma capanguinha (sacola de plástico que ficava no meu bolso) e todo o dinheiro entregava nas mãos de minha mãe, e ela  comprava pão, leite, às vezes cem gramas de café, duzentos e cinquenta gramas de feijão, meio litro de óleo e/ou um quilo de arroz.
Como meu pai às vezes ficava desempregado, e quem nunca passou por isso, parte do sustento da casa vinha dessas vendas que eu fazia junto com a lavagem de roupas para pessoas que minha mãe realizava, meus irmãos à época eram muito pequenos, a diferença de idade entre eu e eles era de cinco e seis anos respectivamente.
Hoje o meu trabalho é, na sua grande parte, trabalhar com famílias vulneráveis, e vez ou outra suas histórias me lembra da minha própria e me fazem lembrar das histórias de minha avó também. Os tempos mudaram, somos uma sociedade mais tecnológica, temos o conhecimento na palma das mãos, mas os problemas humanos continuam praticamente os mesmos, as necessidades são as mesmas, há dinheiro, mas não pra todos, há trabalho, mas não pra todos, há amor, mas não pra todos.
Uma sociedade tecnológica que diminuiu a distancia entre os países e aumento o distanciamento entre as pessoas, e isso bem antes dessa pandemia que assola o mundo. Pessoas se deixaram tornar dependentes, um vício alucinado por conseguir as coisas sem esforço pessoal, por acharem que é um "direito", é sim, concordo, mas e os deveres?
Há um equivoco intencional na sociedade, de fazer quem tem menos, depender de quem supostamente tem mais, e esses últimos preferem manter esse "status quo" em detrimento de uma pseudo superioridade, igualdade não é equanimidade, mas ao meu ver, e salvo melhor juízo, continuamos colhendo café ficando com as sobras no chão, continuamos sendo valorizados enquanto geramos lucro a alguém, continuamos criando dependências em lugar de liberdades verdadeiras.
A história da humanidade continua marcada por repetições, como um loop infinito, onde quem se julga superior ou em melhor condição social explora a força dos sub julgados, subnutridos de conhecimento,  e principalmente daqueles que fazem questão de serem dependentes dos ególatras sociais e que se satisfazem com migalhas como peixes sendo cevados no rio.
Eu sempre acredite que "o sol é para todos, mas a sombra é pra quem merece"!
Um abraço.

Titus●•ツ
 "O Som do Coração" 
 (๏̯͡๏)
"O ser humano possui a vontade imprescindível de se guiar pelas aparências. Consequentemente, as pessoas criam impressões erradas sobre o próximo: acham que conhece mas na verdade não conhecem. E é por tentativa e erro que superamos essa nossa natureza."

Um comentário:

Unknown disse...

Muito maravilhoso viu tá de parabéns

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